sábado, 3 de dezembro de 2011

NA RETA FINAL DA CORRIDA PARA A UNIVERSIDADE (Porto Alegre – Parte V)


Tenho a desconfiança de que estamos caminhando para a barbárie. Alguns exemplos: a humilhação a que os universitários calouros são submetidos, a pichação que emporcalha as cidades brasileiras, o domínio territorial das facções ligadas ao tráfico de drogas, a violência nas escolas – briga entre alunos, bullying, ameaça aos professores – e a violência doméstica contra a mulher, em especial os casos cada vez mais frequentes que resultam em mortes cometidas por homens que não suportam a separação.

Mas nem sempre foi assim. Houve um tempo em que os homens não eram tão bárbaros e as mulheres eram muito mais dóceis. Faz sucesso um e-mail com o título “antigamente é que era bom”, onde são listadas as recomendações que as revistas femininas faziam às suas leitoras, principalmente na década de 50. As relações conjugais e as considerações sobre os papéis de homem e mulher na relação eram assim apresentadas:
  • O lugar da mulher é no lar. O trabalho fora de casa a masculiniza. (Revista Querida, 1955)
  • Para ser essencialmente feminina, você precisa ser compreensiva, precisa ter um mestre, um marido a quem respeitar. (Jornal das Moças, 1955)
  • Se o seu marido fuma, não arrume briga pelo simples fato de cair cinzas no tapete. Tenha cinzeiros espalhados por toda casa. (Jornal das Moças, 1957)
  • É fundamental manter sempre a aparência impecável diante do marido. (Jornal das Moças, 1957)
  • A mulher deve fazer o marido descansar nas horas vagas, nada de incomodá-lo com serviços domésticos. (Jornal das Moças, 1959)
  • Se desconfiar da infidelidade do marido, a esposa deve redobrar seu carinho e provas de afeto. (Revista Claudia, 1962)
  • A boa esposa faz do marido um homem muito feliz. Entusiasma-se com as idéias dele, suas piadas e histórias só para agradá-lo e/ou incentivá-lo. Ela não incomoda o marido em seu trabalho e só telefona para seu escritório quando o assunto for realmente importante. É carinhosa o suficiente para satisfazê-lo totalmente, porém não para inquietá-lo. (Claudia, 1962)
 As revistas femininas na década de 60
Algumas das principais revistas femininas da época são publicadas até o presente: Capricho, a mais antiga, iniciada em 1952, Claudia, iniciada em 1961, e Capricho, existente desde 1963. Claudia, que completou 50 anos em outubro de 2011, foi muito importante como uma precursora das revistas femininas que começaram a divulgar uma nova concepção do papel das mulheres na sociedade, em especial nas crônicas da psicóloga Carmem da Silva. 

Claudia de 1963

Graças aos conselhos de Carmen da Silva é que aos poucos a compreensão do papel da mulher na relação conjugal foi se alterando. Foi ela que começou a redefinir as condições para a felicidade conjugal, introduzindo recomendações sobre a independência feminina e a necessidade de comunicação entre o casal. Começou a mudar o conceito do que era ser uma boa esposa, abrindo espaço para o entendimento de que a afinidade e a satisfação sexual eram fatores relevantes para a harmonia conjugal. O universo feminino nunca mais foi o mesmo.

Atualmente existem muitos trabalhos e estudos sobre o tema das relações de gênero. Indicamos uns poucos, cuja referência completa pode ser obtida por meio do Google: “Folheando o amor contemporâneo nas revistas femininas e masculinas”, de Thays Babo e Bernardo Jablonski; “Homens e mulheres nos anos 1960/70: um modelo definido?”, de Maria de Fátima da Cunha; e “Revistas femininas e o ideal de felicidade conjugal (1945-1964)”, de Carla Bassanezi. A última autora integra o Centro de Estudos de Gênero Pagu, do Instituto de Filosofia e Ciências Humanas da UNICAMP, que se dedica integralmente ao assunto.
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O Willys Capeta
No Salão do Automóvel de 1964 a Willys Overland do Brasil apresentou um protótipo de carro esporte, o Willys Capeta, que nunca chegou a entrar em linha de produção. O projeto, totalmente nacional, foi construído em comemoração ao milionésimo carro da indústria brasileira. Segundo o site VRUM, o Capeta era equipado com propulsor de 2,6 litros, seis cilindros, 148cv, que desenvolvia velocidade máxima de 180km/h. A transmissão do veículo foi criada pelo departamento de competições da marca. O interior trazia bancos em couro e apliques de jacarandá nas portas e painel. O esportivo trazia evoluções que seriam usadas mais tarde em outros modelos da marca, como a caixa de quatro marchas, o próprio motor de seis cilindros, com cabeçote com coletores de admissão destacáveis e dois carburadores horizontais de corpo duplo.
O Willys Capeta, restaurado

Atualmente encontra-se cedido ao Museu do Automóvel de Brasília, sob a curadoria de José Roberto Nasser. Observe-se que até hoje as linhas do Capeta são atraentes.
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O protótipo Saci
Antes do Capeta a Willys apresentou, no primeiro Salão do Automóvel, de 1960, o protótipo Saci. Similar ao modelo americano Jeepster, o Saci era um conversível com capota de lona baseado na Rural Willys. Mas, o Jeepster nunca foi um sucesso de vendas nos Estados Unidos nem o Saci chegou a ser produzido no Brasil. Bons tempos em que a indústria nacional utilizava nomes tupiniquins para seus modelos...
Willys Saci
Eu era apaixonado pelo modelo do Saci. Nunca entendi porque não deu certo. Afinal, nesta época, os modelos da Willys, a Rural e o Jeep, eram sonho de consumo nas cidades do interior. Um modelo como o Saci seria uma diversificação esportiva da linha. Mas, os tempos eram duros e, além de provavelmente caro para ser construído, talvez o protótipo tenha sido considerado festivo demais. Ou não teve a aceitação esperada.
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Ó céus! Ó vida!

Antes de entrar para a Universidade e ter restaurante universitário à disposição, fazia minhas refeições em outra pensão, próxima de onde morava. Oportunidade para conhecer novos colegas, inclusive os que vinham de fora do país. A UFRGS recebia e continua recebendo muitos estudantes estrangeiros. Em minha época predominavam os latino-americanos: peruanos, equatorianos, venezuelanos. Refeição em pensão também costuma ser combate grupal na luta pelos recursos escassos. Certa feita, o último bife estava no prato onde era servido. Aí, após um pequeno momento de suspense, três dos garfos mais rápidos do Oeste espetaram o bife ao mesmo tempo. Foi preciso um Conselho de Arbitragem para uma divisão mais ou menos equalizada.

Tempos de dinheiro escasso. Quando se conseguia algum íamos jantar em um restaurante modesto mas que servia um magnífico arroz de carreteiro, com pimenta no ponto. Na inclemência climática do RGS, estava precisando de um guarda-chuva. Que, para os meus trocados, não era um produto tão barato assim. Olhava aqui, olhava ali, e nada que estivesse no jeito. Até que vi em uma vitrine um guarda-chuva com um preço maneiro. Entrei na mesma hora pedindo para comprá-lo. É sabido que homem não enrola muito para estas coisas, entra e vai direto ao ponto. Felizmente o vendedor percebeu quais eram minhas intenções e alertou: “mas moço, este guarda-chuva é para criança”. O jeito foi ter paciência até surgir uma nova oportunidade. Afinal, no bairro do Bom Fim e no centro da cidade existiam muitas marquises...

Temporal no bairro Vila Nova, de Porto Alegre (em 04/04/2011)

Em outra pensão vizinha encontrei um colega de Lavras. Com problemas parecidos, mas conformado com a situação. Também tinha necessidade de um guarda-chuva novo. Dizia: “meu guarda-chuva já está tão prejudicado que não é mais guarda-chuva, é um transformador: transforma chuva em garoa”. No pátio interno de sua pensão costumavam deixar as roupas para secar penduradas no varal durante a noite. Como tudo pode dar errado, apareceu algum espertinho e levou o que pode. Deixou apenas duas calças do meu colega. Que ficou indignado, pois se deu conta de que as calças estavam em um estado tão lastimável que nem o ladrão se interessou por elas.
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Torcedor entusiasmado

Ia assistir a partidas de futebol no Estádio Olímpico, do Grêmio, com o kit de torcedor: radinho e almofada. A almofada era feita de espuma, com o escudo do clube, e confeccionada em duas metades, de modo que ficava mais fácil dobrá-la para carregar debaixo do braço. Fundamental para se agüentar a dureza das arquibancadas de cimento. O radinho era um Spica, com cobertura de couro marrom, emprestado de um colega de pensão.  Como naqueles tempos não existia ainda fone de ouvido, para se escutar a transmissão o radinho tinha que ficar grudado no ouvido. Em uma noite chuvosa e gelada, mesmo morrendo de dor de dente, fui assistir, pela primeira vez, a uma exibição de Pelé, em um jogo do Grêmio contra o Santos. Desnecessário dizer que o Santos ganhou. Mas ver Pelé era uma obrigatoriedade, valia o sacrifício. Curiosamente, na minha pensão eu era o único fanático por futebol.

 
O Estádio Olímpico, do Grêmio (na década de 60 a cobertura superior era parcial)

Nesta época eram muito populares os programas humorísticos da Rádio Farroupilha, principalmente o quadro que reunia Pinguinho, representando um torcedor do Internacional, e Walter Broda, o alemão, representando um torcedor do Grêmio. Na crônica esportiva pontificava Ruy Carlos Ostermann, professor formado em filosofia, cuja linguagem intelectualizada conquistava os ouvintes; por exemplo, ele não analisava simplesmente o ataque do Grêmio, mas suas “proposições ofensivas”.
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Química, uma pedreira

O professor de Química do Julinho era um dos melhores do ramo, reputado professor de cursinho. Nem por isto conseguiu despertar meu interesse pela disciplina. Fiquei em dependência, ao final do ano. Se não passasse, não poderia prestar vestibular. Os colegas de pensão acompanhavam meu drama e torciam a favor. Mas, o anjo da guarda ajudou, São Judas Tadeu idem, provavelmente ambos sob a orientação do Altíssimo, e consegui obter o grau necessário para passar. Nada muito brilhante, meio ponto acima da nota mínima. Como se dizia, passei “na tangente”. Quando cheguei na pensão, com a notícia da aprovação, foi uma festa. Um deles, o do meio aí na foto, nem me deixou entrar pela porta, me puxou por cima da janela para me abraçar.

Eu (de casaco de pijama, revelando uma vocação precoce), Carlos Zen (estudante de Engenharia e alma boníssima) e o “Doutor” (estudante de Medicina, cujo futuro profissional  já antecipávamos pelo apelido, e que, aplicadíssimo, tinha uma coleção notável de cadernos manuscritos com anotações de aula)


Estava, finalmente, habilitado para o vestibular.


-oO)(Oo-

2 comentários:

Marina disse...

Muito li a revista Cláudia e, especialmente os artigos de Carmem da Silva. Quando sobrava um troquinho, comprava a revista.
Lembro-me do Pinguinho e do Walter Broda e o Osterman escreve na ZH e apresenta-se em rádios e TVs até hoje.
Passei por dificuldades parecidas com as tuas; não lembro em relação a guarda chuva, mas em relação a sapatos.
Tua foto com amigos está muito boa. Foi assim que te conheci.

Andrea Leal disse...

Grêeeeeeeeeeeeeeemioooooooooooooo!!!
Tchê, só não entendi em que ano a Capricho foi às bancas pela primeira vez... Mas me parece que ela foi mudando de vocação, pois, na "minha época" ela era uma revista para adolescentes...